Depois de identificar a relação entre desnutrição e consumo de água em condições impróprias em duas comunidades yanomami, uma equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) trabalha agora por solução que seja apropriada para os povos indígenas, dentro de seu contexto social e cultural.
O trabalho que envolve cientistas de diversas especialidades, como biólogos, engenheiros sanitaristas e médicos, contou, neste ano, com visita técnica a duas aldeias na Terra Indígena Yanomami Maturacá, no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Os pesquisadores coletaram amostras da água consumida pelos indígenas nos rios, poços e sistemas pluviais, além de peixes dos arredores, e conduzirão um trabalho educativo e de discussão para que as aldeias possam melhorar sua estrutura de saneamento.
O engenheiro sanitarista Alexandre Pessoa, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), é um dos integrantes do grupo. Ele relatou que uma queixa frequente dos indígenas é que as soluções para problemas de seu cotidiano muitas vezes chegam de fora, sem considerar seus hábitos, e acabam se tornando incompreendidas pelas aldeias.
“No diálogo com os indígenas, estamos fazendo análises da qualidade da água para que, a partir de uma abordagem de educação popular, considerando a interculturalidade e o modo de vida, possamos apresentar soluções devidamente apropriadas”, disse Pessoa. “Para haver aceitação, não pode ser uma solução verticalizada, de cima para baixo. Haverá novas visitas para apresentar alternativas e troca de conhecimento sobre o território, que obviamente eles conhecem mais.”
Desnutrição crônica e aguda
O ponto de partida do trabalho foi o levantamento feito pelo médico e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) Paulo Basta, que, entre 2018 e 2019, investigou a saúde alimentar das crianças menores de cinco anos em duas regiões da terra Yanomami: Awaris, no extremo norte de Roraima, e Maturacá, no Amazonas.
O estudo mostrou que 81,2% das crianças observadas tinham baixa estatura para a idade, um indicador de desnutrição crônica; 48,5% tinham baixo peso para a idade, o que aponta para desnutrição aguda; e 67,8% estavam anêmicas. O médico é o coordenador do trabalho realizado agora, que tem a qualidade da água como uma de suas prioridades.
“Foi um conjunto enorme de informações que a gente conseguiu levantar, e a ausência de água potável para as famílias consumirem emergiu com força como um determinante nos casos de diarreia infantil, desidratação e, consequentemente, dos casos de desnutrição”, disse Basta, em texto publicado pela Agência Fiocruz de Notícias.
“A partir do reconhecimento do problema, elaboramos um relatório técnico, que foi devolvido para a comunidade. Fizemos uma cerimônia devolutiva, explicamos resumidamente os resultados, publicamos ativos científicos com os principais dados. Depois, entramos em uma missão de captar recursos para tentar levar alguma solução”.
Alexandre Pessoa explicou que a segunda etapa do trabalho, que é a construção de soluções, deve se estender até o ano que vem, e beneficiar cerca de 1,5 mil habitantes nas aldeias. O engenheiro sanitarista defende uma vigilância em saúde, por parte do Estado, que colabore com a vigilância indígena do território, para que haja uma proteção maior contra ameaças à saúde, como o garimpo.
Diferenças
“A situação de cada aldeia é distinta. A situação do Amazonas não é a mesma de Roraima, onde houve um colapso sanitário e humanitário. Nas aldeias que nós vimos, existe um problema sanitário, existe uma série de deficiências. Mas observamos que está havendo um fortalecimento da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena], do DSEI [Distrito Sanitário Especial Indígena] no sentido de resolver esses problemas, que não são recentes, mas que foram muito agudizados durante o governo Bolsonaro”.
O engenheiro sanitarista da Fiocruz defende que, neste movimento, torna-se importante que instituições de pesquisa atuem junto ao Estado Brasileiro na busca de melhores práticas, em diálogo com as comunidades, para melhores condições de vida e de saúde.
Fonte – Agência Brasil