Elas precisam ser lindas, altas e magras. Além disso, é necessário que tenham entre 17 e 27 anos, não sejam casadas e não tenham filhos.
Parece que estou descrevendo as regras para participar de um concurso de beleza dos anos 50 ou de um evento que vai apresentar mulheres “boas para casar” para a sociedade no seriado “Bridgerton”, ambientado no século 19. Mas não. Esse é o regulamento do concurso Miss Mundo de 2024 mesmo. E ele é levado a sério.
Nos últimos dias, um vídeo de uma mulher chorando viralizou no Brasil. Tratava-se de Carla Cristina, que foi escolhida como Miss Acre em julho do ano passado e representaria o estado na disputa que escolheria a brasileira que participará do próximo Miss Mundo.
Carla tinha ganho o concurso, mas foi desclassificada por uma razão para lá de antiquada e injusta: ela tem um filho. “Acabei de ter meu título retirado. Quem me conhece sabe, quem vive comigo sabe o quanto trabalhei, fiz rifas, vendi até sopa para pagar minha taxa, que era de R$ 5.000, e eles não trabalham com reembolso.”, desabafou.
A coordenadoria do evento afirmou em nota que:
“Desde a sua criação, em 1951, o Miss Mundo tem como regra que as candidatas devem ser solteiras, não serem mães, sem nunca terem sido. Todas as coordenações estaduais conhecem tal regra e seus concursos devem ocorrer de acordo com as regras do concurso Miss Mundo e Miss Brasil Mundo. As candidatas que participam do concurso devem ser informadas sobre as regras do concurso em que estão participando.”
De fato, “não ter filhos” é uma regra do concurso – o que é chocante. E ela ter sido criada em 1951, ou seja, há mais de 70 anos, explica bem o descompasso com os dias atuais.
Carla não é a primeira a passar por isso. Em 2019, a ucraniana Veronika Didusenko venceu o concurso nacional e foi desclassificada quatro dias depois devido ao mesmo motivo: ser mãe. Na época, ela afirmou que processaria os organizadores da competição.
Absurdo? Com certeza. Afinal, só a ideia de um show onde mulheres desfilam de maiô para terem seus corpos medidos e analisados por jurados, em geral, homens, já parece antiga, machista e sem propósito em 2024. Com essas regras e esse tipo de discriminação, tudo fica ainda mais anos 50.
Sem desfile de maiô
Mas alguns concursos de miss se modernizam no mundo todo. Na Alemanha, por exemplo, depois de ser duramente criticado, o concurso mudou totalmente e passou, desde 2020, a premiar mulheres não só pela sua beleza, mas pelo seu comprometimento e trabalhos sociais. Desde então, a premiação também permite a participação de mulheres casadas e mães (ufa) e elevou o limite de idade em dez anos para incluir mulheres de até 39 anos. Além disso, o concurso aboliu a prova onde as mulheres desfilam de maiô. É o mínimo, não?
Em 2022, a eleita foi a brasileira Domitila Barros, então com 37 anos. Ela é modelo, atriz e empreendedora social. Domitila foi escolhida, entre outras coisas, pelo seu comprometimento com causas sociais, como o trabalho que realiza com as crianças da favela onde ela cresceu no Recife. A final deste ano acontece no próximo sábado (24/02) e inclui, por exemplo, Christina Modrzejewski, ativista pela inclusão e cadeirante, que pode virar a primeira mulher com deficiência a ser eleita Miss Alemanha. Tomara.
Em temos de meninas feministas e Barbies se revoltando (falo do filme, claro) até o Miss Universo, o concurso mais famoso do mundo se modernizou (pelo menos um pouco).
Desde o ano passado, eles passaram a aceitar candidatas mães, casadas e divorciadas. Desde 2012, mulheres trans também podem participar do concurso.
E a partir desse ano, uma grande novidade vai ser implementada: não vai haver mais limite de idade para as participantes. Chega a ser meio ridículo ter que comemorar mudanças tão óbvias. Mas vamos lembrar que em alguns concursos, como o Miss Mundo, do qual Carla foi expulsa, nada mudou e eles seguem apegados à cartilha “como ser uma boa moça nos anos 50”. Será que esse tipo de concurso tem futuro?
Sinceramente, acho (e espero) que não. Sim, eu gostava de ver o concurso quando criança. Mas as coisas mudam e não faz mais sentido que mulheres desfilem de maiô, tenham seus corpos julgados e sejam tratadas como “bobinhas” que só leram um livro: “O Pequeno Príncipe”.
Outros países podiam copiar a Alemanha nessa. E se é para os concursos continuarem existindo, tomara que mais mulheres fortes como Domitila sejam premiadas. Independentemente de serem mães, casadas, divorciadas ou solteiras.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.