Pelo terceiro ano consecutivo, o confronto valendo a taça do mais importante torneio de futebol da América do Sul terá apenas times do Brasil. É a sexta vez na história que a final da Libertadores reunirá clubes de um mesmo país, sendo a quinta 100% em verde e amarelo, todas no século XXI. De 2001 para cá, o futebol brasileiro marcou presença em 16 decisões (76,2% do recorte), com 11 títulos – já considerando o de 2022, que será de Athletico-PR ou Flamengo, que se enfrentam neste sábado, 29, às 16h (Horário do Amazonas), no Estádio Monumental de Guayaquil (Equador), com transmissão da Rádio Nacional.
As estatísticas evidenciam o domínio do Brasil na Libertadores e como ele se consolidou. Para se ter ideia, no século XX todo (41 edições), foram 19 finais com times do país e 12 títulos em verde e amarelo. Na visão de Claudio Pracownik, diretor executivo da Win The Game, consórcio de empresas voltadas a negócios do esporte, a supremacia brasileira tende a não apenas continuar, mas aumentar nos próximos anos, devido ao cenário macroeconômico do continente.
“O Brasil tem, realmente, mais representantes na Libertadores (sete, no mínimo), exatamente pela nossa dimensão no cenário sul-americano. Em 1940, a Argentina era responsável por cerca de 40% do PIB [Produto Interno Bruto] do continente. Hoje, é responsável por 16% e nós temos mais de 50%. O futebol tem correlação direta. Um país mais rico acaba tendo clubes mais ricos. O Flamengo tem um orçamento de US$ 65 milhões (o equivalente a R$ 345,8 milhões). O do Tolima [Colômbia], adversário nas oitavas de final [desta Libertadores], é de US$ 5 milhões (R$ 26,6 milhões)”, analisou Pracownik, à Agência Brasil.
De fato, conforme levantamento do site Transfermarkt, especializado em finanças no futebol, sete dos nove clubes brasileiros que disputaram a Libertadores deste ano figuram entre os 10 elencos mais valiosos da competição – os demais são argentinos. Os quatro primeiros são, pela ordem, Palmeiras, Flamengo, Atlético-MG e Corinthians. O River Plate completa o top 5, seguido por Red Bull Bragantino, Boca Juniors, Athletico-PR, Vélez Sarsfield e Fluminense.
Além disso, considerando a posição em campo dos atletas ( goleiro, lateral-esquerdo, zagueiro direito…), os times do Brasil possuem o jogador mais caro em 10 das 11 funções. A exceção é o meia Nicolás de la Cruz, do River Plate. O Flamengo tem três nomes (o lateral Matheuzinho, o meia Giorgian de Arrascaeta e o atacante Gabriel Barbosa), assim como o Atlético-MG (o zagueiro Nathan Silva, o lateral Guilherme Arana e o meia-atacante Pedrinho). O zagueiro Gustavo Gómez e o volante Danilo representam o Palmeiras, enquanto o atacante Yuri Alberto marca presença pelo Corinthians.
“Outros fatores importantes [no distanciamento para os demais países sul-americanos] são governança e profissionalização. Embora ainda atrasado em relação à Europa, o Brasil está muito à frente dos colegas de continente. Aí você coloca dinheiro, [valor da] moeda, governança, compliance [respeito a leis e princípios éticos]. Para isso mudar, é complexo. Há exceções, lógico. Um clube ou outro pode se destacar, principalmente os nossos hermanos, mas a tendência consolidada é o alargamento dessa distância”, descreveu o executivo.
No aspecto gestão, os finalistas da Libertadores são apontados por Pracownik como exemplos, cada um a sua maneira. Há uma década, o Rubro-Negro carioca tinha dívidas na casa dos R$ 750 milhões, segundo auditoria da Ernest & Young contratada em 2013 pela gestão de Eduardo Bandeira de Mello – da qual o diretor-executivo foi membro, entre 2013 e 2018.
O clube passou três anos renegociando pendências e buscando alternativas de arrecadação, além de apostar em elencos mais baratos, voltando a investir em reforços mais badalados a partir de 2016. De 2019 para cá, veio a consagração, com dois títulos brasileiros (2019 e 2020), duas Supercopas do Brasil (2020 e 2021), uma Libertadores (2019) e uma Recopa Sul-Americana (2020). O balancete divulgado no meio do ano indicou que a dívida líquida flamenguista já tinha caído para R$ 466 milhões, enquanto a receita da temporada estava estimada em R$ 1 bilhão.
“Teríamos de saber sofrer. Investimos na base antes do [time] principal, na saúde econômica e financeira antes do futebol. Era preciso crescer de forma sólida e com visão de longo prazo. O clube se profissionalizou, pagou os impostos, renegociou com credores. A gente correu risco de rebaixamento [no Brasileiro] e sabia que isso poderia acontecer. Quando estivemos com uma capacidade de investimento crescente, sem possibilidade de penhora e de voltarmos para trás, começamos a trazer jogadores. Os resultados vieram. [Durante a gestão] O Flamengo bateu na trave, podia ter sido campeão. Foi depois e que bom que foi assim”, disse Pracownik.
A mudança de curso do Athletico-PR, por sua vez, começou em meados dos anos 90, quando Mario Celso Petraglia assumiu a presidência pela primeira vez. À época, o Furacão estava na Série B do Brasileiro. O dirigente, atualmente na quinta gestão a frente do clube, apostou na construção da Arena da Baixada (sede da Copa do Mundo de 2014) e do Centro de Treinamento do Caju, e também no fortalecimento das categorias de base. A colheita iniciou a partir de 2001, com a conquista do inédito título brasileiro. Três anos depois, o Rubro-Negro ficou com o vice, após uma acirrada disputa com o Santos. Em 2005, chegou à final da Libertadores, superado pelo São Paulo.
A trajetória sofreu um baque em 2011, com o rebaixamento à Série B, mas logo foi retomada. Em 2013, já de volta à elite, o Athletico alcançou a decisão da Copa do Brasil, perdendo justamente para o Flamengo, mas deu a volta por cima seis anos depois, com o título. Também em 2019, levantou a Copa Sul-Americana, repetindo o feito em 2021. No século XXI, os paranaenses ficaram 11 vezes entre os dez melhores da Série A, sendo sete de 2010 para cá.
“Quando o Petraglia começou a trabalhar essa virada, o Athletico era a quarta torcida do estado [do Paraná]. O que Flamengo e Athletico tiveram em comum? Visão e persistência. O Flamengo tem uma torcida gigante e soube monetizar com ela. O Athletico tem uma torcida menor, portanto, maior dificuldade de alavancar recursos. Por outro lado, é um clube centralizado, verticalizado. Todos os produtos que você possa imaginar, de dia de jogo, são do Athletico.
O estádio é deles, gerido por eles”, analisou o executivo. “[O sucesso] Não é por acaso e cada vez menos será. [Flamengo e Athletico] São clubes que criam um círculo virtuoso. Eles recebem mais dinheiro, investem melhor, profissionalizam a gestão, ganham mais premiações, trazem mais patrocínio, reinvestem na profissionalização, na base, não vendem jogador a qualquer preço. Os outros clubes terão de correr atrás”, concluiu Pracownik.
Fonte: Agência Brasil